A review by nzagalo
Leviathan by Paul Auster

4.0

Um dos maiores problemas de consumir muitas histórias num meio — seja literatura, cinema ou jogos — é que começamos a ver as estruturas narrativas na nossa frente enquanto devíamos estar plenamente absorvidos pelo mundo e personagens das histórias. Diga-se que isso é mais evidente quando a história é mediana, mas a estrutura é muito boa, investindo nós mais tempo na apreciação do invólucro do que no conteúdo. Esse é o caso de “Leviathan” (1992), em que Auster embrulha múltiplas personagens numa trama de bombas para nos manter agarrados ao longo da descida em espiral pelo interior do personagem que narra a história, que é também escritor e serve perfeitamente de alter-ego a autor.

O livro abre com uma morte por explosão, da qual quase nada resta para identificar o corpo, daí somos levados por uma história que atravessa 15 anos de um mundo e uns EUA em convulsão — meio dos anos 1970 até ao início dos anos 1990 — para descobrir quem e porque explodiu essa pessoa. Auster dá-nos a ver de perto quase uma dezena de personagens que se vão entrelaçando e abrindo umas às outras por meio de pontas soltas, mentiras, e também muitas coincidências. O thriller parece ser a base, mas Auster não desiste de ser romance e por isso ora se aprofunda a psicologia dos personagens, ora se faz mover todo o mundo em alta velocidade por meio de eventos inesperados, tais como acidentes, mortes e mais coincidências. Temos direito a algumas cenas mais quentes, para adocicar os momentos que menos concorrem por atenção, mas diga-se, muito menos interessantes do que a castidade moral encenada no interior dos dois principais personagens masculinos, tal como a contraposição com a libertinagem das personagens femininas.

Do Leviatã fica-se na dúvida, ou talvez não, se Auster se refere ao interior que nos consome a todos, sem sabermos porquê, nem como, ou se é menos figurativo e mais ilustrativo, ficando-se pela insanidade que consome apenas aqueles que se deixam cair nas suas malhas, e se deixam levar por histórias — ideologias políticas — que passam a controlar todos os seus passos. Não tendo sentido a história de modo suficientemente intenso, acabei não sentindo a necessidade de atribuir um significado concreto ao texto e isso talvez tenha acabado por determinar um certo dissabor que senti ao chegar ao fim. Reconhecendo a excelência estrutural, e até mesmo a criação de universo ficcional, faltou-me história, faltou-me empatia.

Estrelas: 3.5
Publicado no VI: https://virtual-illusion.blogspot.com/2020/02/leviathan-de-auster.html